sexta-feira, 24 de setembro de 2010

lixo


De tanto luxo minha vida virou um lixo!
Já imaginou que uma pessoa pode te conher apenas por seu lixo ? Olha só o que nos diz meu amigo fernandinho, agora imagina vc chegando em sua universidade e não encontrar suas lixeiras (ver dia d).

Encontram-se na área de serviço. Cada um com o seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam. - Bom dia.


- Bom dia. - A senhora é do 610.


- E o senhor do 612.


- Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...


- Pois é ...


- Desculpe a minha indiscrição, mastenho visto o seu lixo ...


- O meu quê? - O seu lixo. - Ah... - Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena. - Na verdade sou só eu. - Humm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata.


- É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar .


- Entendo. - A senhora também . - Me chama de você. - Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim.


- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas como moro sozinha, às vezes sobra.


- A senhora... Você não tem família? - Tenho, mas não aqui. - No Espírito Santo. - Como é que você sabe?

- Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo. - É. Mamãe escreve todas as semanas.

- Ela é professora? - Isso é incrível! Como você adivinhou?

- Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora. - O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.

- Pois é ... - No outro dia, tinha um envelope de telegrama amassado.

- É. - Más notícias? - Meu pai. Morreu. - Sinto muito. - Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.

- Foi por isso que você recomeçou a fumar? - Como é que você sabe? - De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.

- É verdade. Mas consegui parar outra vez. - Eu, graças a Deus, nunca fumei. - Eu sei, mas tenho visto uns vidrinhos de comprimidos no seu lixo... - Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou. - Você brigou com o namorado, certo? - Isso você também descobriu no lixo? - Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel. - É, chorei bastante, mas já passou. - Mas hoje ainda tem uns lencinhos. - É que estou com um pouco de coriza. - Ah. - Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo. - É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é. - Namorada? - Não. - Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha. - Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga. - Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte. - Você está analisando o meu lixo! - Não posso negar que o seu lixo me interessou. - Engraçado. Quando examinei o seu lixo,decidi que gostaria de conhecê-la . Acho que foi a poesia. - Não! Você viu meus poemas? - Vi e gostei muito. - Mas são muito ruins! - Se você achasse eles ruins mesmos, teria rasgado. Eles só estavam dobrados. - Se eu soubesse que você ia ler ... - Só não fiquei com ele porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela? - Acho que não. Lixo é domínio público. - Você tem razão. Através dos lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso? - Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que... - Ontem, no seu lixo. - O quê? - Me enganei, ou eram cascas de camarão? - Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei. - Eu adoro camarão. - Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode... Jantar juntos? - É. Não quero dar trabalho. - Trabalho nenhum. - Vai sujar a sua cozinha. - Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora. - No seu lixo ou no meu...
Luis Fernando Veríssimo

Um comentário:

  1. Com certeza o lixo revela muito sobre o que uma pessoa é.
    esse texto é muito interessante, me fez pensar que até o lixo, sendo algo considerado ruim, pode fazer surgir algo bom. Nessa sociedade, em que vizinhos nem se quer se olham, surgiu um assunto, e até um encontro!
    É assim que devemos ver a vida, em qualquer situaçao encontrar um motivo para se relacionar com as outras pessoas.
    Continue escrevendo!

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